sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O tempo

Madrugada de sábado, pensando no show da Nana Caymmi, no Sesc Pompeia. Essa mulher é incrível: conversa com o público como se estivesse em casa, bebericando, falando de sua vida e de seus irmãos. Essa cumplicidade com a plateia lhe permite cometer alguns deslizes, claro, sem comprometer o espetáculo. Nana não mede as palavras quando fala e fala com sinceridade tudo o que vem pela cabeça. Tudo bem, vou por fim a essa tietagem. Mas a verdade é uma só: Nana, quando canta, é um arraso. Saí de lá com uma sensação atordoante, não sei se por vivenciar tão profundamente as emoções de cantora e plateia, ou se por ficar uma hora e meia sentada numa cadeira dura de madeira. De qualquer forma, isso já era um motivo mais que justificável para entrar no supermercado do shopping Bourbon (que já estava fechando) e comprar - urgh - um bolo light de chocolate (gente, por favor, não tinha açúcar!).

Já me entupi de bolo.

Quem não foi quarta passada assistir ao Alessandro Bebê Kramer no Sesc Vila Mariana perdeu.
Lembro desse gaúcho quando ainda integrava o grupo "Dr.Cipó". Tenho o CD deles, gravado em 2005, com capa em 3D, que vem junto com os óculos para ver a foto. Conta com a marcante participação do Hermeto Pascoal. Bem, os óculos, eu já perdi.
As músicas de Bebê, com forte raiz no folclore gaúcho (como o chamamé, por exemplo), agregam ainda o jazz, o choro, composições eruditas. A qualidade de seu trabalho é reforçada pela presença de Guto Wirtti, contrabaixista da pesada (rááá, literalmente, ele toca baixo de pau).
Bah, tchê, tri legal!

Ah, o tempo... É que a Nana terminou o show cantando "Resposta ao tempo", de Aldir Blanc e Maurício Tapajós, que por sinal estava presente.
- Mãe, você já prestou atenção nessa letra?
- Não, fico mais ligada na música.
- Ouça então o que ela diz para o tempo!

Batidas na porta da frente
É o tempo
Eu bebo um pouquinho
Prá ter argumento

Mas fico sem jeito
Calado, ele ri
Ele zomba
Do quanto eu chorei
Porque sabe passar
E eu não sei

Num dia azul de verão
Sinto o vento
Há fôlhas no meu coração
É o tempo

Recordo um amor que perdi
Ele ri
Diz que somos iguais
Se eu notei
Pois não sabe ficar
E eu também não sei

E gira em volta de mim
Sussurra que apaga os caminhos
Que amores terminam no escuro
Sozinhos

Respondo que ele aprisiona
Eu liberto
Que ele adormece as paixões
Eu desperto

E o tempo se rói
Com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
Prá tentar reviver

No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder
Me esquecer

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Células canceladas

Foi um tombo do colo para o chão. Bateu a cabeça. Deve ter doído muito. Também já caí assim, só que não estava no colo de ninguém. Dirigia-me à esquina em busca de um táxi que me levasse ao auditório Ibirapuera para assistir a uma apresentação da orquestra. Tropecei, voei, dei de cara no chão. Doeu. Muito.
Ela ficou maluquinha, tadinha, desde pequenininha. Tem medo de tudo - até que agora não muito -, foge de tudo que lhe colocam na frente.
Achei interessante a explicação dele: "Ah, ela ficou desse jeito porque quando topou com o chão, algumas células foram canceladas."
As minhas também. Canceladas. Isso mesmo. Doeu demais. Voltei para casa, tremenda pancada, maquiagem sendo levada pelas lágrimas. Enxurrada de lágrimas.
Me refiz. Fui ao teatro assim mesmo: com manchas roxas e células canceladas.