Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã,
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã
Em minha tela de 15 polegadas, o
mundo se exibe. Morte, desabamento, trânsito, calor insuportável. Minha tela é
a boca do inferno. Estou no Centro de São Paulo, na minha sala de trabalho.
Dezessete pessoas em suas respectivas baias. Meu computador tem dois monitores.
Um fundo de tela que é um quadro do Millôr. Genial esse desenho: o homem com
seu cachorro. Vez ou outra olhares de esguelha buscam captar movimentos. Não
estou nem aí. Uma parada para almoço. Todos na rua, firmo o caminho de sempre. Escolho
o trivial: salada, peixe, arroz integral e pastel. Preciso eliminar a fritura.
Já te falei que morro de medo de
dormir. É sério! Sempre acho que vou morrer dormindo. Que terei um enfarto tão
fulminante que nem chego a acordar. E se tiver um AVC? Que horror.
Sinto dor de cabeça. Sempre. Isso
aumenta meu receio de ir para a cama. Preciso com certeza eliminar o pastel de
queijo de meu cardápio.
Retorno sem pressa. Passo pelo
café, tomo um expresso. Lá eles servem um pequeno chocolate para acompanhar.
Com a gripe, prejudicada a apreciação daquela bebida. Vamos ao mérito.
Doem meus ombros, minhas costas.
Tenho inalação para fazer. Vou deixar para depois.
Retorno à minha sala. Todos com ar
de concentração. Não estou nem aí. O único ar que me incomoda é o ar
condicionado. Há ares do bem, outros do mal. Esse certamente é do mal. Esfria
minha cabeça, ataca a sinusite, que meu médico afirma ser crônica. Crônica é o
que escrevo.
A gripe associada com a dor de
cabeça é tiro na testa, ou melhor, em um dos lados de minha cabeça, geralmente
a esquerda. Minha dor é de esquerda. Caramba, como dói! Tenho certeza que a
culpa é do pastel.
Abro arquivos, recomponho seus
textos, organizo o material. Reviso as notas, entro na minha conta do banco − só isso? −, acerto o que tem para
acertar, falo ao telefone, são dúvidas de pauta, agora ligação de casa – tá certo, pode fazer −, envio comandos de
impressão, limpo a caixa de entrada, mando tudo para a lixeira: subpastas,
arquivos mortos, gente ferida, sentimentos frívolos, risadas debochadas, cara
feia e fechada, papel de bala, fracassos, courier new corpo 10, a fila que não
anda, cafezinho com leite, suspiros e gemidos. Faço tudo isso quase que
automaticamente, mas acontece que existe o “quase” e sempre o “quase” faz a
diferença e, neste caso, uma grande diferença.
Quase levanto e vou ao toalete, quase
escovo meus dentes, quase olho para o espelho pensando que preciso cuidar
melhor de minha pele, quase olho pela janela o corredor tomado de ônibus
parados, e quase penso no sufoco do pessoal que está parado nesse congestionamento.
E, finalmente, quando quase retorno junto ao meu computador, quase tenho
absoluta certeza de que o maldito pastel de queijo não é mesmo uma boa pedida.
No mais, tudo bem, graças a Deus,
vamos levando.
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